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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Avaliação prospectiva da evolução clínica, radiográfica e funcional do tratamento das fraturas trocantéricas instáveis do fêmur com haste cefalomedular

Autores: Richard Armelin BorgerI; Frederico Araújo LeiteII; Rodrigo Pires de AraújoII; Thiago Ferreira Nunes PereiraII; Roberto Dantas QueirozIII
IMédico Assistente do Grupo de Quadril do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual - HSPE - IAMSPE - São Paulo, SP, Brasil
IIMédico Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual 



INTRODUÇÃO


As fraturas trocantéricas são fraturas extracapsulares do fêmur proximal, envolvendo a área entre o trocânter maior e menor. É uma fratura comum na população idosa devido à osteoporose, associada principalmente ao trauma de baixa energia, como a queda da própria altura.
A incidência das fraturas do fêmur proximal aumentou significativamente nas últimas décadas, e deverá duplicar nos próximos 25 anos devido ao aumento da expectativa de vida da população(1). Estima-se que nove em cada 10 fraturas trocantéricas ocorram em indivíduos com mais de 65 anos de idade(2). Aproximadamente um em cada 1.000 habitantes por ano, nos países desenvolvidos, é acometido pela fratura do fêmur proximal(3).
A idade avançada e as comorbidades associadas são responsáveis pela elevada morbimortalidade e pelo elevado custo do tratamento. Os gastos deverão elevar de 8,7 bilhões em 2009 para 240 bilhões em 2040 nos EUA. A taxa de mortalidade varia de 12 a 41% após seis meses e decorre principalmente de complicações clínicas, como tromboembolismo pulmonar (TEP) e sepse(4).
Os sistemas de classificação mais utilizados na literatura são o AO/ASIF(5) (Figura 1) e a classificação de Tronzo(6) (Figura 2).




A determinação do padrão da fratura quanto à estabilidade é fundamental para avaliar as opções de tratamento. As fraturas são consideradas instáveis na presença de cominuição da cortical posteromedial, obliquidade reversa e extensão subtrocanteriana(2). As fraturas instáveis se enquadram no grupo AO/ASIF 31A2 e 31A3 e Tronzo III, IV e V.
O tratamento não cirúrgico fica reservado para os pacientes com comorbidades que os colocam em risco inaceitável para anestesia, procedimento cirúrgico ou ambos(2). O tratamento cirúrgico, pelo princípio da estabilidade relativa, possui como objetivo a redução funcional e fixação estável para o alívio da dor e o retorno precoce da deambulação e independência prévia. Apesar de não alterar a taxa de mortalidade nos primeiros seis meses, o tratamento cirúrgico diminui as complicações decorrentes da restrição prolongada no leito(2).
Devido ao suprimento sanguíneo abundante na região trocantérica, o índice de osteonecrose e pseudoartrose é baixo, favorecendo o tratamento cirúrgico através da fixação interna. A osteossíntese das fraturas trocantéricas constitui o principal método de tratamento cirúrgico, embora a substituição protética seja ocasionalmente indicada(2).
O resultado do tratamento cirúrgico depende do padrão da fratura, qualidade óssea, da redução e do método de fixação. Das complicações mecânicas do tratamento cirúrgico, destacam-se o colapso em varo, encurtamento não controlado e a falha na fixação, mais comuns nas fraturas instáveis(7).
Vários dispositivos de fixação foram desenvolvidos para enfrentar as dificuldades na fixação das fraturas trocantéricas(8). Os implantes podem ser intramedulares ou extramedulares. O implante extramedular mais frequentemente utilizado é o parafuso deslizante de quadril (DHS). Nas fraturas estáveis, o DHS é o implante de escolha. Apesar de controverso, o sistema cefalomedular é considerado, por muitos autores, o dispositivo preconizado para tratamento das fraturas instáveis(4,9-11).
Os sistemas cefalomedulares são biomecanicamente mais favoráveis pela redução do momento flexor, pelo melhor controle rotacional e pelo maior controle do colapso em varo e do encurtamento, decorrente da sua disposição mais medial do que os dispositivos extramedulares(12). Vários estudos relatam que a osteossíntese com os dispositivos cefalomedulares promovem um retorno mais rápido à deambulação, menor tempo cirúrgico e menor perda sanguínea(2,13).
As hastes femorais proximais tiveram uma evolução no seu desenho e estão atualmente na terceira geração. A melhora no design reduziu algumas complicações como as fraturas intraoperatórias e as fraturas abaixo da ponta da haste (no pós-operatório). A haste cefalomedular do tipo PF-Targon® (Figura 3) possui como diferencial a fixação na própria haste femoral do prego antirrotacional cefálico e da camisa cefálica do parafuso deslizante, evitando o efeito em "Z" presente em outras hastes cefalomedulares(14) (Figura 4).




O objetivo deste trabalho foi avaliar, prospectivamente, durante um ano de seguimento pós-operatório, a evolução clínica, radiográfica e funcional das fraturas trocantéricas instáveis submetidas à osteossíntese com haste cefalomedular (PF-Targon®).

MÉTODOS
No período de novembro de 2008 a março de 2009, 70 pacientes com fraturas trocantéricas foram submetidos à osteossíntese do fêmur. Deste grupo, 40 pacientes foram submetidos à osteossíntese com haste cefalomedular PF-Targon® por apresentarem fraturas trocantéricas instáveis.
Foram incluídos no trabalho os pacientes com mais de 60 anos de idade, com fraturas instáveis, classificadas pela AO/ASIF como 31A2 ou 31A3, após autorizarem sua participação com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os critérios de exclusão foram: fraturas femorais com extensão subtrocantérica, fraturas patológicas por lesões tumorais, incapacidade prévia de marcha e associação com outras fraturas que interferissem na reabilitação. Foram excluídos três pacientes por apresentarem idade abaixo de 60 anos, por implicar em possíveis distorções da avaliação funcional da marcha, totalizando uma amostra de 37 pacientes.
Foram avaliados 14 (37,8%) homens e 23 (62,2%) mulheres. O lado direito foi acometido em 18 (49%) casos e o lado esquerdo em 19 (51%) casos. A idade média foi de 77,7 anos, com variação de 60 a 95 anos. O mecanismo de trauma mais comum foi a queda da própria altura em 36 casos (97,3%) e apenas um caso (2,7%) foi decorrente de trauma por projétil de arma de fogo.
Todas as fraturas foram classificadas utilizando-se a classificação AO/ASIF e Tronzo. De acordo com a classificação AO/ASIF, 27 (73%) pacientes apresentaram fraturas tipo 31A2 e 10 (27%) pacientes com fraturas tipo 31A3. Pela classificação de Tronzo, 23 (62%) pacientes foram classificados como Tronzo III, quatro (11%) pacientes como Tronzo IV e 10 (27%) pacientes como Tronzo V.
Foi constatada a presença de comorbidades em 31 (83,8%) pacientes. A doença cardiovascular esteve prevalente em 25 (67,5%) pacientes, diabetes em 11 (29,7%), doença de Parkinson em três (8,1%), doença pulmonar em dois (5,4%) e Alzheimer em dois (5,4%) pacientes. Outras comorbidades presentes foram epilepsia, alcoolismo, hipotireoidismo e insuficiência renal crônica. A ausência de comorbidades ocorreu em seis (16,2%) pacientes. Os pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico logo que as suas condições clínicas permitiram. O tempo médio da admissão até a data da cirurgia foi de 7,1 dias, com período médio de internação hospitalar de 9,9 dias.
Todos os pacientes foram submetidos à osteossíntese com haste cefalomedular PF-Targon® após a redução indireta da fratura na mesa ortopédica com auxílio da fluoroscopia. Foram utilizadas hastes com diâmetro de 10 ou 12mm distais, diâmetro único proximal de 17mm, ângulo mediolateral de 6º, ângulo cervicodiafisário de 125°, 130°, 135º entre os parafusos do colo e o eixo da haste intramedular. A escolha do implante foi feita após o planejamento pré-operatório, de acordo com o ângulo cervicodiafisário da extremidade proximal do fêmur contralateral e diâmetro da região medular diafisária.
A profilaxia medicamentosa para trombose venosa profunda (TVP) foi utilizada no pré e pós-operatório. Os pacientes receberam antibioticoterapia profilática na indução anestésica e, por 48 horas pós-cirurgia, com cefazolina. No pós-operatório imediato, foi realizada analgesia padrão e os pacientes foram orientados a realizar a progressão da marcha escalonada de acordo com a tolerância.
Através de um estudo de coorte prospectivo com análises transversais, os pacientes submetidos à osteossíntese com PF-Targon® por fraturas intertrocanterianas instáveis foram avaliados com uma semana, duas semanas, um mês, dois meses, seis meses e um ano de pós-operatório. Em cada retorno, foi realizada avaliação clínica, radiológica e funcional dos pacientes.
A avaliação clínica foi realizada através da análise da ocorrência de complicações clínicas, incluindo a avaliação da taxa de mortalidade e suas causas.
A avaliação radiológica incluiu a análise da manutenção da qualidade da redução obtida, posicionamento do implante, consolidação da fratura e falha do material de síntese. A qualidade da redução da fratura e o posicionamento do implante foram avaliados pelo estudo radiográfico no pós-operatório imediato, pela radiografia anteroposterior (AP) e perfil do fêmur proximal. A redução foi considerada ideal quando o ângulo cervicodiafisário na radiografia AP encontrava-se entre 130° e 135°; abaixo destas medidas foi considerada redução em varo e acima valgo(15). O posicionamento do implante foi avaliado através do índice ponta-ápice(12). A avaliação da consolidação da fratura, colapso em varo e falha no material de síntese foi realizada através da análise radiográfica nos retornos subsequentes.
A avaliação funcional foi realizada através da análise do escore de Harris, avaliação da progressão da marcha e a evolução da escala de dor. No retorno, após um ano pós-operatório, foi aplicada a avaliação funcional final pelo escore de Harris (escala de avaliação funcional com pontuação máxima de 100 pontos, que inclui a avaliação de quatro categorias: dor, mobilidade, atividades diárias e amplitude de movimento). A pontuação menor que 70 é considerada ruim, entre 70 a 80 razoável, 80 a 90 bom e 90 a 100 excelente (Anexo 1)(16). Durante o seguimento de um ano, foi realizada a avaliação da progressão da marcha e a evolução da escala de dor. A deambulação foi avaliada dividindo os pacientes em cinco grupos: ausência de deambulação, deambulação com auxílio de bengalas, muletas, andador e deambulação sem auxílio. Antes da fratura, 16,2% dos pacientes já se utilizavam do andador, 34,3% utilizavam bengala e 59,5% dos pacientes deambulavam sem auxílio. Na avaliação da dor, foi utilizada uma escala visual analógica com graduação de 0 a 10, diretamente proporcional à dor referida pelo paciente (0 - ausência de dor; 1 a 3 - dor leve; 4 a 6 - dor moderada; 7 a 10 - dor severa).
A análise estatística foi realizada pelo programa SPSS. O teste t de Student foi utilizado para a distribuição normal das variáveis independentes. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando o nível de rejeição da hipótese de nulidade (P) foi 0,05 (nível de significância de 95%).

RESULTADOS
A avaliação clínica, no período de um ano, mostrou ausência de complicações clínicas pós-operatórias em 28 (75,7%) pacientes e a presença de complicações clínicas, em nove (24,3%). A taxa de mortalidade no período avaliado foi de 13,5% (cinco pacientes). Destes, quatro (80%) foram a óbito por sepse decorrente de broncopneumonia, e um paciente (20%) foi a óbito após episódio de hemorragia digestiva alta. Outras complicações clínicas, foram: dois casos (5,4%) de trombose venosa profunda, um caso (2,7%) de úlcera de calcâneo e um caso (2,7%) de obstrução arterial aguda (Tabela 1).


Na avaliação radiográfica, o ângulo cervicodiafisário médio no pós-operatório imediato foi de 132,5° com desvio padrão de 9,8. A redução no pós-operatório foi considerada ideal em 31 (83,6%) pacientes (Figura 5), com três casos (8,2%) com redução em varo e três casos (8,2%) com redução em valgo (Tabela 2). O índice ponta-ápice médio foi de 22,8 (desvio padrão = 8,3), sendo que 27 (73%) pacientes apresentavam índice ponta-ápice < 25mm e 10 (27%) pacientes apresentavam índice ponta-ápice > 25mm (Tabela 3). Após um ano de seguimento, o ângulo cervicodiafisário médio foi de 131,7°, com desvio padrão de 9,3. Não ocorreu nenhum caso de colapso em varo. A consolidação foi verificada em todos os pacientes após seis meses de pós-operatório, exceto em um caso que apresentou cut out após um mês de pós-operatório e foi submetido a artroplastia de ressecção, não sendo possível avaliar a consolidação (Anexo 2). Este foi o único caso de cut out (2,7%) encontrado neste trabalho.






cut out é a migração dos parafusos proximais na direção superolateral da cabeça, com extrusão e perda da fixação cefálica (Figura 6). O paciente foi submetido à artroplastia de ressecção para alívio da dor. Esse foi o único caso que necessitou de novo procedimento cirúrgico. Não ocorreu nenhum caso de fratura perimplante.


Na avaliação funcional, o escore de Harris após um ano de pós-operatório apresentou média de 69,2 com desvio padrão de 9,3. Em 16% dos pacientes, o resultado apresentado foi excelente, 19% bom, 28% razoável e 38%, ruim. A escala de Harris e a idade foram estatisticamente significativos (p-valor = 0,023), com coeficiente de -0,0402, mostrando uma relação inversa entre os valores, ou seja, menores valores de idade estão associados a maiores escore de Harris (Figura 7).


O escore de Harris não foi influenciado pela classificação da fratura de acordo com a classificação AO/ASIF (Tabela 4).


A avaliação da progressão da marcha mostrou melhora progressiva na qualidade da deambulação nos períodos avaliados. Apesar da orientação para a realização de marcha precoce escalonada conforme o tolerado, 35 pacientes (94,6%) na primeira semana não apresentavam deambulação ativa, realizando apenas apoio do membro. Na avaliação após dois meses de pós-operatório, observou- se que apenas três pacientes (8,6%) não deambulavam ativamente. Após seis meses, apenas 3,1% ainda não deambulavam, 50% deambulavam com auxílio de bengala, 34,4% com andador e 12,5% sem a utilização de nenhum auxilio (Figura 8). Antes da fratura, 16,2% dos pacientes já se utilizavam do andador, 34,3% utilizavam bengala e 59,5% dos pacientes deambulavam sem auxílio.


A avaliação da progressão da dor através da escala visual analógica, graduada de 0 a 10, mostrou, no período, diminuição progressiva, apresentando uma média de 5,19 na primeira semana e 2,25 um ano após a cirurgia (Figura 9).


DISCUSSÃO
As fraturas trocantéricas estão relacionadas a índices elevados de morbidade e mortalidade. As complicações clínicas mais prevalentes e relevantes são a trombose venosa profunda, o tromboembolismo pulmonar, a infecção superficial e a infecção profunda(4).
A incidência geral da taxa de mortalidade após fraturas trocantéricas é descrita na literatura atual entre 6 a 11% no primeiro mês, 14 a 36% no primeiro ano(16). A mortalidade tipicamente resulta de complicações cardiopulmonares, do tromboembolismo e de sepse. Na nossa casuística, a taxa de mortalidade foi de 13,5% (cinco pacientes) em um ano. A principal causa de óbito decorreu de sepse por broncopneumonia em quatro casos (80%) e um caso (20%) foi decorrente de hemorragia digestiva alta.
A trombose venosa profunda (TVP) é uma causa substancial de morbidade e mortalidade no seguimento das fraturas do fêmur proximal(4). A TVP sintomática situa-se em torno de 2%, sendo, em 85% dos casos, diagnosticada nas primeiras cinco semanas pós-fratura. Fatores como imobilidade prolongada, coagulopatias e demora no tratamento cirúrgico são fatores que favorecem a sua ocorrência(17). Neste estudo, em todos os casos, foi instituída profilaxia antitrombótica medicamentosa e em dois pacientes (5,4%) foram diagnosticados TVP. Tromboembolismo pulmonar não foi encontrado em nenhum paciente.
Infecção superficial e profunda não foi identificada neste estudo. Outras complicações clínicas foram: um caso (2,7%) de obstrução arterial aguda e um caso (2,7%) de úlcera de pressão no calcâneo.
Na avaliação radiológica, de acordo com Schipper et al(8), a complicação pós-operatória mais comum é o cut out. A sua incidência é descrita na literatura de 0,7 e 10,6%(2) e, neste estudo, verificou-se apenas um caso de cut out (2,7%). A redução inadequada, principalmente em varo, o posicionamento incorreto do implante e a osteoporose avançada são os fatores determinantes para a sua ocorrência.
O posicionamento do implante deve obedecer aos conceitos introduzidos por Baumgaertner et al(12), no qual a distância entre a ponta do parafuso deslizante e o centro da cabeça do fêmur não deve ser maior que 25mm somando-se os valores na incidência em anteroposterior e no perfil (índice ponta-ápice < 25mm), o que facilita a telescopagem do sistema dinâmico do implante e reduz o risco de cut out(15). Ainda segundo Baumgaertner et al(12), a ocorrência de cut out aumenta consideravelmente quando o índice ponta-ápice é superior a 25mm, independente da qualidade de redução da fratura. O índice ponta-ápice é descrito para a osteossíntese com DHS. A sua utilização para a avaliação do posicionamento adequado das hastes cefalomedulares é controverso, principalmente nas hastes com dois parafusos de fixação proximal, pela dificuldade do posicionamento do parafuso deslizante no centro da cabeça femoral na incidência anteroposterior. Dessa forma, existe maior tendência ao posicionamento do parafuso deslizante em localização mais inferior na imagem radiográfica na incidência anteroposterior, sobretudo, em pacientes com colo e cabeça femoral curta. Apesar desta ressalva, este índice é utilizado por alguns autores para a avaliação do posicionamento adequado do implante(15). No nosso estudo, encontramos índice ponta-ápice médio de 22,8 (desvio padrão de 8,3), com 27 (73%) pacientes apresentando índice ponta-ápice < 25mm e 10 (27%) apresentando índice ponta-ápice > 25mm. Mesmo com a presença do prego antirrotacional no PF-Targon conseguimos respeitar os princípios preconizados por Baumgartner na maioria dos pacientes. O paciente deste estudo em que ocorreu cut out apresentava uma osteoporose avançada e um posicionamento inadequado do implante (índice ponta-ápice de 40mm) como fatores de risco.
Werner-Tutschku et al(18) referem que a principal razão para a ocorrência do cut out é a redução inicial insatisfatória, geralmente em varo. Além de favorecer a ocorrência de cut out, o alinhamento em varo pode resultar na marcha em Trendelenburg. Na nossa casuística, o ângulo cervicodiafisário médio foi de 132,5°, com desvio padrão de 9,3. A redução no pós-operatório foi considerada ideal em 31 (83,6%) pacientes, com três (8,2%) casos de redução em varo (Tabela 2). A incidência de consolidação em varo, de acordo com Werner- Tutschku et al, é de 11,2%(18). O desvio angular não favoreceu o cut out e não influenciou estatisticamente (p-valor = 0,442) a qualidade da marcha nesta casuística.
Kaplan et al(2), em sua meta-análise, apresentaram um tempo médio de consolidação de quatro meses, independente do dispositivo utilizado. Já Bridle et al(10), relataram que a consolidação ocorreu em média com seis meses. De acordo com Crawford et al(19), a taxa de consolidação encontrada foi de 89% nos pacientes tratados com haste cefalomedular(19). Neste trabalho, verificou-se consolidação em todos os pacientes após seis meses, com exceção de um caso que apresentou cut out após um mês de pós-operatório, o qual foi submetido à artroplastia de ressecção, não sendo possível avaliar a consolidação. O suprimento sanguíneo abundante na região trocantérica associado à síntese estável favoreceram este resultado.
Uma complicação da utilização das hastes cefalomedulares são as fraturas da diáfise femoral abaixo da ponta do implante(7). A falta de experiência do cirurgião e um desenho inadequado das hastes de primeira e segunda gerações favorecem esta complicação(14). As hastes de geração mais recente possuem um raio de curvatura que melhor se ajusta ao formato anatômico do fêmur. Em contraste com os relatos mais antigos, os estudos recentes relatam uma diminuição significativa desta complicação(2). A taxa de fratura da diáfise abaixo da ponta da haste varia na literatura entre zero e 2,1%(2). Neste trabalho, não foi encontrado nenhum caso de fratura distal ao implante.
Quanto à avaliação funcional, o escore de Harris é a escala utilizada pela maioria dos autores para a avaliação funcional pós-operatória das fraturas trocantéricas(16). Schipper et al(8) encontraram, após um ano, um escore médio de 66,80 (desvio padrão = 17,94) com haste femoral proximal do tipo PFN® e 69,50 (desvio padrão = 16,00) com haste do tipo Gamma nail®. O valor médio encontrado neste trabalho foi de 69,3 (desvio padrão = 9,3) com a utilização do PF-Targon®, com 16% dos pacientes com resultados excelentes, 19% bons, 28% razoáveis e 38% ruins. O resultado funcional pela avaliação pontual pelo escore de Harris foi considerado ruim ou moderado para a maioria dos pacientes submetidos à osteossíntese com haste cefalomedular. A grande dificuldade do estudo funcional das fraturas do fêmur proximal pelo escore de Harris é a impossibilidade de avaliação prévia à cirurgia, não possuindo, assim, a comparação pré e pós-operatória, como utilizado nas cirurgias eletivas. Como os pacientes possuem idade avançada, com limitações prévias presentes, possivelmente apresentariam escores já comprometidos. Um indício importante é que o escore de Harris foi estatisticamente significativo pela idade (Figura 7), e não foi influenciado pelas classificações de Tronzo e AO, e nem mesmo pela qualidade de redução e posicionamento dos implantes. Assim, a energia do trauma e a qualidade da cirurgia, avaliada radiograficamente, não influenciaram o resultado funcional, mas a idade prévia do paciente influenciou significativamente o resultado funcional, estando os pacientes com maior idade com os piores resultados (coeficiente -0,0402). A função prévia destes pacientes de idade mais avançada, provavelmente, já era pior do que a dos pacientes mais novos, o que influenciou estes resultados. Portanto, no nosso ponto de vista, é necessário desenvolver uma nova escala para ser utilizada na avaliação funcional das fraturas do quadril, estando o escore de Harris mais indicado para as cirurgias eletivas, como as artroplastias do quadril para tratamento de artrose, pela sua possibilidade comparativa. Com uma nova escala será possível avaliar melhor a influência da energia do trauma e da qualidade da cirurgia na avaliação funcional, após retirar a influência do estado prévio do paciente na avaliação. Ressaltamos que apesar do valor do escore de Harris médio de 69,3 encontrado neste trabalho ser baixo, este é semelhante aos valores encontrados por outros autores(16). Para uma melhor avaliação funcional dos pacientes, analisamos separadamente outros dois parâmetros importantes: a recuperação da deambulação e a evolução da escala de dor.
De acordo com Pajarinen et al(13), os pacientes submetidos à osteossíntese com haste cefalomedular nas fraturas trocantéricas instáveis apresentaram retorno significativamente mais rápido ao nível de deambulação prévio(13). Herrera et al(9) relataram, no seu trabalho com 250 pacientes tratados com haste cefalomedular PFN® e Gamma nail®, que cerca de 50% dos pacientes recuperaram a sua capacidade prévia de deambulação após um ano(4). Neste trabalho, avaliamos a recuperação da marcha no decorrer do tempo. Dividimos em cinco grupos: sem marcha, marcha com andador, marcha com muletas, marcha com bengala e marcha sem apoio (Figura 8). A grande evolução na qualidade da marcha ocorreu após dois meses de pós-operatório, quando a casuística apresentava apenas 8,6% dos pacientes sem marcha. Após um ano, apenas 3,1% dos pacientes ainda não deambulavam, 50% deambulavam com auxílio de bengala, 34,4% com andador e 12,5% dos pacientes deambulavam sem a utilização de nenhum auxílio.
Assim, após um ano, 40,6% dos pacientes apresentavam a mesma capacidade de deambulação prévia.
A avaliação da dor foi feita por Nuber et al(20), através de um seguimento de seis meses, com escores sucessivos, comparando os pacientes submetidos à DHS e haste intramedular (HIM). O escore de dor foi consideravelmente menor no grupo tratado com HIM. Neste trabalho, os pacientes foram avaliados através de uma escala visual analógica para dor, apresentando diminuição progressiva da dor nos retornos durante um ano, conforme apresentado na Figura 9. A evolução da escala de dor não foi influenciada pela energia do trauma, pela idade, pelos parâmetros de redução e posicionamento do implante.

CONCLUSÃO
A osteossíntese com haste cefalomedular PF-Targon®, utilizada nas fraturas intertrocantéricas instáveis, resultou em baixas complicações clínicas, excelente estabilização, poucas complicações mecânicas e resultados funcionais adequados, sendo considerada pelos autores uma técnica adequada para o tratamento das fraturas trocantéricas instáveis do fêmur.

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 - HSPE - IAMSPE - São Paulo, SP, Brasil
IIIMédico Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual - HSPE - IAMSPE - São Paulo, SP, Brasil


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